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Mudanças climáticas geram superdoenças e reduzem eficácia de medicamentos, revela estudo

As mudanças climáticas impactam diretamente a formação de superdoenças, bactérias resistentes e medicamentos que fazem cada vez menos efeito no corpo dos seres humanos. As afirmações foram divulgadas em um estudo científico publicado na revista Nature nesta segunda-feira (8).


Em 2020, as infecções no sangue humano causadas pelas bactérias Neisseria gonorrhea, Escherichia coli e Salmonella resistentes a antibióticos tornaram-se pelo menos 15% mais comuns do que em 2017, de acordo com um relatório publicado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 2022.


“Estamos caminhando em direção a um mundo onde arranhar o joelho, dar à luz ou fazer um simples procedimento cirúrgico pode matar você. É incrivelmente assustador”, diz, na publicação, a pesquisadora e bióloga evolucionista da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, Pamela Yeh.

De acordo com a cientista, o principal problema é que os antibióticos são frequentemente utilizados em excesso ou mal utilizados para combater infecções em pessoas, outros animais e plantas.


Depois, as bactérias podem desenvolver resistência a medicamentos através de mutações no DNA que alteram a parede celular bacteriana de tal forma que os antibióticos não funcionam, ou que conferem capacidade de decompor os antibióticos ou bombeá-los para fora das células.


Assim, as cepas que se tornam resistentes também podem compartilhar genes de resistência a antibióticos com outras bactérias.


“Se forem administrados antibióticos errados para tratar infecções, ou se os medicamentos certos forem tomados em doses insuficientes para matar os microrganismos, então os micróbios terão mais tempo para se multiplicarem e evoluírem ou espalharem resistência”, explica o estudo.


E as mudanças climáticas?


Segundo Mayara Floss, médica de família e comunidade, membro do grupo de Saúde Planetária da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade e do Instituto de Estudos Avançados da USP (Universidade de São Paulo), as mudanças climáticas sempre irão interferir em nossa saúde.

“As mudanças climáticas são a questão mais definidora de saúde deste século. Nesse sentido, estudos têm demonstrado a possibilidade de cruzamento entre a resistência bacteriana e o aquecimento do planeta. Especialmente porque o aumento da temperatura favorece a proliferação de bactérias”, explica.

A profissional, que estuda a fundo esta área, diz que outra questão diretamente ligada ao fato do nosso planeta estar aquecendo são os fenômenos climáticos extremos como enchentes, secas e incêndios florestais.


Esses fenômenos podem dificultar, por exemplo, o acesso à água potável e ao saneamento básico, além de fazer com que as pessoas vivam, literalmente, aglomeradas.

“Como os casos recentemente vivenciados no estado de Santa Catarina com as enchentes históricas, isso coloca as pessoas em condições insalubres. É importante destacar que estes desastres socioambientais estão diretamente ligados às mudanças climáticas”, fala.

A médica explica que quando as condições climáticas causam situações insalubres, há mais infecções, mais uso de antibióticos e aumentam as possibilidades das bactérias criarem mecanismos de resistência.


“Uma mensagem fundamental é não usar antibióticos para o tratamento de doenças virais, gripes, COVID-19, etc. Sempre esperar e observar, utilizando medicações sintomáticas para diminuir a chance da resistência bacteriana aos antibióticos”, finaliza a médica.


Resultado prático


Em novembro de 2022, o microbiologista Lianping Yang da Universidade Sun Yat-sen em Guangzhou, China, e seus colegas relataram a prevalência de três bactérias por trás de infecções hospitalares resistentes a antibióticos que são frequentemente graves e podem ser mortais: Acinetobacter baumannii, Klebsiella pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa.

Essas bactérias são tão sérias que podem causar infecções em diferentes partes do corpo, incluindo pulmões, trato urinário e corrente sanguínea.


Os pesquisadores procuraram conexões entre temperatura e resistência aos antibióticos, comparando dados bacterianos coletados de pessoas tratadas em hospitais em 28 províncias e regiões da China com informações sobre as temperaturas médias do ar em cidades nas mesmas regiões.


Os cientistas descobriram que, para cada aumento de 1 °C na temperatura média do ar, houve um aumento de 14% na proporção de amostras contendo K. pneumoniae. Esta bactéria pode causar pneumonia, infecção urinária e infecções abdominais.


As amostras mostraram que as bactérias eram resistentes a um tipo de antibiótico chamado carbapenêmicos, geralmente reservados para o tratamento de bactérias resistentes a todos os outros antibióticos.


Na prática, mesmo na última solução usada na medicina, as mudanças climáticas já afetam o uso dos fármacos.


Yang e seus colegas também associaram um aumento de 1 °C na temperatura média do ar a um aumento de 6% na proporção de amostras contendo P. aeruginosa resistente a carbapenem. Esta bactéria é tão séria que pode causar desde conjuntivite até infecções urinárias, no sangue, no ouvido, na pele e nas vias respiratórias.


E agora, o que fazer?


O combate à resistência aos antibióticos pode aprender valiosas lições com as políticas de enfrentamento das alterações climáticas, afirma Steven Hoffman, pesquisador de políticas de saúde na Universidade de York, em Toronto, e colaborador da Agência de Saúde Pública do Canadá.


Para Hoffman, as ameaças globais, como a resistência antimicrobiana, transcendem fronteiras nacionais, justificando a necessidade de um tratado global semelhante aos acordos climáticos.


Em 2015, a lançou o GLASS (Sistema Global de Vigilância da Resistência e Utilização de Antimicrobianos), uma iniciativa que monitora o consumo global de antibióticos e a prevalência de infecções resistentes.


Estes dados são fundamentais para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas), visando medir os avanços no combate à resistência antimicrobiana.


No entanto, Hoffman destaca a necessidade de ações mais robustas. Em um estudo recente, ele e seus colegas propuseram um tratado global para enfrentar patógenos resistentes a medicamentos, comparável ao Acordo de Paris sobre o clima em 2015.


A sugestão inclui a definição de metas claras, como a redução de 35% nas infecções resistentes a medicamentos até 2035.


A próxima reunião da ONU sobre resistência antimicrobiana, em setembro, é vista como uma oportunidade crucial para avançar nessa proposta global.


Hoffman enfatiza que assim como as nações mais ricas apoiam financeiramente as nações mais pobres para lidar com as mudanças climáticas, um apoio semelhante deve ser direcionado aos países mais pobres que enfrentam maiores índices de resistência aos antibióticos.


“Os países mais ricos têm se beneficiado por muito tempo dos antimicrobianos”, finaliza Hoffman.

Por ND+



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